Coleguismo e corporativismo |
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Valterson Botelho*
Os mais novos só sabem por ouvir dizer,
mas nunca viram. Poucas décadas atrás, o assassinato de
um policial explodia como uma bomba atômica dentro da classe.
O ambiente ficava de luto completo e a revolta era geral. Antes mesmo
do enterro a polícia trabalhava com todo o seu ardor (até
mesmo com sede de vingança) e não parava enquanto o caso
não fosse elucidado e o(s) autor(es) preso(s) ou..... Era assim
e por isso os bandidos quase nunca apontavam uma arma para um policial,
pois sabiam que, se atirassem, estariam “condenados”. Era
uma época de respeito e também de medo, onde o encurralado
era o marginal e não o homem da lei.
Hoje, por múltiplos fatores, ainda alvo de estudos e debates
pelos doutores sociais, o cenário é oposto. O policial,
sempre a paisana, anda sem o seu distintivo ou carteira para ser um
transeunte qualquer na hora de ser assaltado. A sua identificação
será, com certeza, sua sentença de morte. E a morte de
um policial, que antes era um fato explosivo, hoje é uma coisa
corriqueira, muitas vezes sem merecer, sequer, uma única notinha
ou linha nas páginas dos grandes jornais. Isso indica que, para
a sociedade, a morte de um policial tornou-se um caso banal; mas também
quer dizer que tornou-se banal para a própria polícia.
É o pior que poderia acontecer, o fundo do poço.
A maioria das polícias de todo o mundo, sob qualquer tipo de
regime, vive sob um manto de coleguismo e corporativismo para sua própria
sobrevivência. Isto, infelizmente, não acontece mais entre
nós, que perdemos o respeito da sociedade, dos bandidos e com
a auto-estima abaixo dos calcanhares.
Há que se dar um BASTA bem forte nessa situação
e partirmos para resgatar a dignidade e o respeito. Como diz o velho
Aurélio, “coleguismo é o espírito de solidariedade
e lealdade para com os colegas”. E “corporativismo é
a doutrina que prega a reunião das classes produtoras em corporações,
sob a fiscalização do Estado”.
Foi assassinado um policial? Que se pare tudo por solidariedade e lealdade
para com o colega e que se prenda os criminosos! Que a corporação
se solidifique o máximo para que não seja mais um fantoche
nas mãos de estranhos que nos comandam mal, e que vão
embora depois de fazerem política na segurança e não
uma política de segurança, deixando um caos de legado.
Um contribuinte qualquer que venha, pela primeira vez, entrar numa repartição
policial leva um choque extremamente negativo. Mesmo para nós
que vivemos tantos anos do lado de dentro, depois de seis anos de aposentadoria,
ao entrar numa delegacia sentimos o ar rançoso e uma visão
global degradante. Os policiais são indiferentes uns com os outros;
a maioria é despreparada e sem nenhuma motivação.
Delegados novos que não tiveram o tempo adequado de Acadepol
e por isso são meros aplicadores cegos do texto da lei em detrimento
de soluções de cunho social. Essa é uma prerrogativa
ímpar do Delegado, o primeiro ente a ser acionado para diversos
tipos de conflitos humanos e que ele pode decidir com dinamismo, honestidade
e rapidez.
E os policiais, também sem treinamento adequado, ficam a “vibrar”,
trajando uniformes copiados de seriados de TV, com os embates contra
a marginalidade, esquecendo que na polícia judiciária
o trabalho é mais de inteligência do que de medir força.
Mas para se ter coleguismo e corporativismo se exige muito mais: é
fazer uma polícia profissional, preparada, honrada e respeitadora
dos direitos humanos. É ter um ambiente de trabalho prazeroso
e de grande produtividade. È ser profissional e não um
biscateiro que precisa de um segundo “bico” para sobreviver.
Só dessa forma o policial será amigo do outro policial;
a família de um será amiga da família de outro;
o sofrimento de um será o de todos e a glória de um também
será compartilhada por todos. E assim, a classe unida, forte
e competente será por todos respeitada e, por conseqüência,
bem remunerada.
E não veremos mais policiais, ativos e inativos, sem família,
doentes e internados em hospitais sem receber nenhuma visita, no total
abandono. Policiais com problemas mentais e dependentes de vários
tipos de drogas serão tratados por especialistas. As viúvas
e órfãos terão seus direitos atendidos, a tempo
e hora, e não mais a desatenção estatal que hoje
se vê.
Para encerrar dois lembretes mais. Primeiro: para ser policial há
que se fazer a escola de polícia com o tempo e currículo
necessários e o estágio que a profissão exige.
E segundo, o policial deve ser preparado, em tempo e com programas hábeis,
para sua aposentadoria. Aquele que deu os melhores anos de sua vida
a tão perigosa função, não pode ser renegado
e merece uma despedida e um reconhecimento dignos.
Sonhei um dia que no auditório da Academia haveria uma vez por
mês uma grande festa homenageando os aposentados daquele mês,
com a presença dos familiares, dos amigos e dos colegas.
* Delegado aposentado, jornalista e
produtor de vídeo educativo
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